Peça-Chave #50: A Geração Z não existe (mas os jovens estão bem)
Como ir além dos rótulos superficiais (que nem fazem sentido)
Essa é a edição #50 dessa newsletter, que surgiu em um momento de grande mudança em minha vida quando saí da Rock Content, empresa que fundei e me dediquei por 10 anos. Meu principal objetivo foi continuar o que eu fazia, que é trazer conteúdo crítico e de qualidade para você.
Marketing é algo complexo e requer dedicação, mas tem muita gente buscando (e oferecendo) atalhos - hacks, sacadas, fórmulas - que são pura picaretagem. Bem, para comemorar essa edição resolvi falar de um dos principais “atalhos” que existem no marketing: as tais gerações.
Boa leitura
Se existe uma constante na história da humanidade é o conflito entre gerações.
A Gen Z (nascida entre 1997 e 2012), com suas aspirações, sonhos ideologias, nunca vai entender o que ter uma carreira e trabalhar duro para sustentar uma família como a Gen X (1965 - 1980).
No meio das duas estão os millennials (1981 - 1996), preocupados em comer suas torradas cobertas de abacate enquanto são considerados egoístas, preguiçosos e arrogantes.
Agora, você já se perguntou de onde vem essa categorização de gerações? Certamente de um grupo de sociólogos altamente informados e munidos de estudos rigorosos. Afinal, algo tão importante para analisar a sociedade precisa de embasamento, imagino.
Mas a verdade, caro leitor, é que tanto o período de cada geração, quanto seus nomes, são completamente arbitrários. Não existe um método, comissão ou órgão responsável por isso.
Em algum momento alguém (da geração anterior), olha para os jovens e decide que eles são uma nova geração. Aí um tanto de gente dá palpites, e o nome que viralizar mais é o que fica famoso.
E de quem é o interesse em nomear gerações? Ora, consultorias que fazem milhões vendendo “relatórios de tendência”, comprados por departamentos de marketing que querem “se conectar com a próxima geração” e jornalistas sedentos por algo novo para escrever.
“Alguém irá criar essa sensação de diferença [entre gerações] para te fornecer uma solução para essa diferença”
Bobby Duffy, autor do livro “The Generation Myth”
Ou seja, essa gerações nomeadas servem somente para movimentar um mercado artificial de novidades mas, se você pensar bem, elas não possuem nenhum embasamento real.
O que acontece, na verdade, é que quando uma geração chega ao mundo adulto ela passa a rotular a próxima, provavelmente da mesma maneira que ela foi rotulada pelas gerações anteriores: idealista, sonhadora, não quer trabalhar, etc.
Ora, senhoras e senhores, isso nada mais é do que qualquer adulto descrevendo um adolescente ou jovem adulto. Não é à toa que hoje falamos o tempo todo da Gen Z, mas em 2010 falava-se o tempo todo dos millennials.
O ciclo se repete.
Veja as duas citações abaixo:
"[Os jovens] são idealistas porque ainda não foram humilhados pela vida, nem experimentaram a força das circunstâncias. Eles acham que sabem tudo e estão sempre muito seguros disso."
“O que diferencia essa geração das anteriores é que essa é a primeira geração na história americana a viver tão bem e reclamar tanto disso”
O que elas têm em comum? Ambas criticam a juventude por serem ignorantes de alguma maneira, seja da própria ignorância, seja da própria condição.
Mas o que elas têm de diferente é o mais interessante: a primeira é de Aristóteles, no século 4 antes de Cristo. A segunda foi publicada no Washington Post na década de 90 (do século XX)!
Quase 2300 anos de diferença, mas com as mesmas opiniões. Ou seja, o problema não é a geração específica, mas o fato da próxima geração ser sempre composta por jovens.
Para confirmar isso, um estudo de 2010 analisou pesquisas feitas com estudantes do ensino médio entre 1976 e 2006. Eles encontraram “pouca evidência de mudança significativa em egoísmo, auto-desenvolvimento, individualismo, auto-estima, falta de controle, felicidade, satisfação com a vida, solidão, comportamento antissocial, tempo gasto no trabalho, vendo televisão, atividade política, religião e importância do status social, nos últimos 30 anos”
Acho que é importante ter esse olhar crítico, pois ela abre nossos olhos para algumas falácias ao se usar gerações (e qualquer tipo de atalho em geral):
Rótulos são limitantes e simplistas
É óbvio que o mundo mudou muito nas últimas décadas. Os Gen Z não querem mais ir ao escritório trabalhar, o que é visto como um grande problema por alguns. Isso não os torna pior do que os Gen X, eles só nasceram em um mundo conectado.
Ninguém falava de home office na década de 90 simplesmente porque isso não era uma possibilidade. Mas, se fosse, aposto que os Gen X também teriam a mesma atitude. Liberdade e autonomia é algo que todo jovem quer.
Jovens adoram falar que se preocupam com o meio ambiente, até ver os preços da roupas quase descartáveis da Shein e esquecer que a empresa está poluindo o ar, as águas e enchendo o mundo de roupas jogadas no lixo. Quando bate a realidade financeira, o idealismo fica de lado.
Ou seja, mesmo que as circunstâncias mudem, é reducionista achar que as motivações essenciais também mudaram. E lembre-se: um bom marketing é sobre pessoas, suas motivações e sentimentos. O contexto irá mudar, o essencial não.
Nossas opiniões atrapalham tudo
Qual você acha que é considerada a melhor década da história da música? Pensa um pouco aí. Década de 60? Início dos anos 2000? Nada disso.
A resposta é simples: tudo depende do ano em que você nasceu. Um estudo feito pelo Washington Post mostra que, em geral, as melhores músicas são aquelas lançadas quando temos por volta de 11 anos (memória afetiva), e qualquer coisa lançada depois dos nosso 35 passa a ser ruim.
Isso também é válido para vários outros fatores como segurança, moda, economia, filmes, etc. Clique no link para ver mais.
[Esse é um bom momento para deixar claro que boa parte das pesquisas que eu encontrei foram feitas com habitantes dos EUA. Nossa cultura é bem parecida, mas pode ser que haja diferenças]
Esse estudo deixa evidente que somos influenciados a achar que as novas gerações são “piores” em quase tudo, sendo que na verdade é somente nossa percepção e nostalgia em ação.
Isso me lembra um dos maiores desafios com alguns clientes da Rock Content, que era explicar que os conteúdos que nós criamos não são para eles, mas sim para a persona.
A opinião e gosto pessoal do cliente dita muito pouco em uma estratégia de SEO e deveria ditar muito pouco ao se analisar gerações.
Conclusão
Quer se destacar no marketing? Evite atalhos.
Rotular um intervalo de 15 anos (ou mais) como uma “geração” é algo que pode até te ajudar a vender um projeto para seu chefe ou cliente, mas a verdade é que na hora de realmente mostrar resultados, isso diz muito pouco.
A essência é entender se é um projeto para jovens, adultos, ou idosos e qual o contexto atual em que eles estão inseridos.
Jovens estão sempre conectados, claro, mas isso também é verdade para várias pessoas com mais de 60, mas ninguém diz que isso é parte da geração deles.
Sempre vá mais a fundo.
Até a próxima.
Esse foi um conteúdo para fazer refletir e fez realmente perceber que estamos repetindo a história a cada geração. No final das contas, o que vejo que o marketing é, em sua essência, entender sobre comportamentos, seja qual geração esteja querendo atender. Quanto mais conectado aos comportamentos melhor para quem faz o marketing. Eis a difícil tarefa dos profissionais. Ótimo conteúdo. 🙏🏻
Essa compartimentação é tratar pessoas como bois, marcados a ferro e pertencentes a uma boiada. Pessoas são diferentes, nascem e vivem em culturas diferentes, tem personalidades distintas. Essa necessidade de massificar é herança da sociedade industrial, para fabricar e vender produtos padronizados em massa. Em marketing há essa intensa necessidade de modismos pra vender consultoria, livros e novidades. Vender está como droga injetada nas veias do marketing. Marketing precisa parar de pensar apenas em vender. Precisa de mais psicologia, sociologia e menos leads...