Peça-Chave #51: Luditas e os desafios da IA como "marca"
A confiança nas Big Techs já não é mais a mesma.
As Big Techs querem colocar IA em todo lugar. Os exemplos mais evidentes disso vêm de duas das maiores empresas do mundo: Microsoft e Apple. Ambas anunciaram que integrarão IA em seus sistemas operacionais Windows e iOS, com a intenção “facilitar a vida do usuário”.
Agora você poderá perguntar sobre qualquer coisa que aconteceu no seu PC, ou conversar com seu iPhone de maneira avançada, tudo por causa da IA.
Acessar informações ficará mais fácil, rápido e intuitivo, criar textos e imagens agora só precisará de poucos comandos de linguagem natural. É o tipo de evolução tecnológica que deixa todos empolgados.
Bem, se estivéssemos em 2005, talvez isso fosse verdade. Mas em 2024 não é bem isso que aconteceu. Essas novidades estão sendo recebidas com críticas pesadas, a ponto de serem até mesmo canceladas.
Pô, a gente costumava ficar empolgado com coisas assim. Então como chegamos até aqui? De onde vem toda essa desconfIAnça? (viu o que eu fiz? hehe).
Para achar as respostas, primeiro vamos voltar 200 anos no tempo.
A falta de confiança nas Big Techs
O movimento ludita aconteceu no início do século XIX e tinha como objetivo protestar contra a adoção de máquinas na indústria têxtil. Os luditas se coordenavam para invadir fábricas e quebrar máquinas, sob o pretexto de que elas estariam roubando seus empregos.
O termo ludita acabou virando sinônimo de pessoas que são contra novidades tecnológicas, geralmente usado com uma conotação negativa. Afinal, quem é contra o progresso é contra a economia, etc.
Obviamente, não é tão simples assim.
Em seu livro “Blood in the Machine (sangue na máquina): as origens da rebelião contra as big techs”, o autor Brian Merchant traça um paralelo entre o início do século XIX e hoje.
Ele mostra que os luditas não eram contra o avanço tecnológico em si, e que os artesãos da época abraçavam e criavam novidades, mas seus protestos eram muito mais um reflexo de como essa tecnologia era adotada e o tratamento dado aos trabalhadores.
Essa é uma distinção importante.
O “empreendedor” da época (o industrialista), viu a mecanização como uma maneira de se livrar dos trabalhadores e precarizar a vida dos que restaram, enquanto aumentava seus lucros. Ou seja, nada de direitos trabalhistas ou apoio do governo. O ludismo foi a resposta.
Fazendo um salto para os dias de hoje, a situação se repete. O progresso tecnológico está mais acelerado do que nunca e existe um culto à tecnologia que rotula qualquer questionamento ou regulamentação com, bem, Ludismo.
Apesar do livro ser focado na “economia colaborativa” (Uberização) e a precarização do trabalho, a mesma lógica pode ser aplicada à IA, que está sendo implementada de maneira acelerada, muitas vezes sem a preocupação com seus impactos.
Situações como essas, e todo o poder das Big Techs, fez com que elas perdessem o papel de empresas revolucionárias contra o velho tempo, com lemas tipo “não seja mau" (Google) e perdessem a confiança do público em geral.
Essa desconfiança nas Big Techs se manifesta também como desconfiança na Inteligência Artificial. Mas nesse caso há um agravante importante, a falta de entendimento da tecnologia e transparência das empresas.
É difícil entender o que é a IA, e as empresas não ajudam
Uma das características da IAs atuais é que elas necessitam de uma quantidade absurda de dados para “ser treinada”. Mas o que significa isso? Pouca gente sabe. O que significa o “generativa” na expressão “IA generativa”? LLM, NLP, o que são essas coisas?
Pouca gente entende, e nosso instinto natural é sempre ter medo do que não entendemos, o que está aumentando (com razão) a desconfiança e o sentimento negativo em relação às IAs.
Não ajuda que as Big Techs parecem estar dispostas a coletar dados a qualquer custo, gerando várias situações em que profissionais saem prejudicados e a privacidade dos usuários é ignorada, o que aumenta o coro contra a tecnologia.
Só alguns exemplos:
A Meta está usando todos os seus posts públicos do Instagram e Facebook para treinamento de IAs. Sim, inclusive fotos do seu filho e família. E “pedir pra sair” disso é extremamente trabalhoso.
Imagens reais de crianças brasileiras foram usadas para treinar IAs sem consentimento.
A revista Bebê, da editora Abril, publicou 311 artigos criados com IA, mas com o nome de uma jornalista fictícia. Vários desses plagiavam outros jornais como O Globo e a Folha de S. Paulo.
Há vários casos como esses, o que não está ajudando em nada a melhorar a percepção que o público, principalmente profissionais criativos, possuem da Inteligência Artificial.
Os desafios da Inteligência Artificial como “marca”.
O conceito de Inteligência Artificial é como uma marca: cada um de nós possui uma imagem mental do que ele significa, acompanhada de algum tipo de carga emocional em relação a esse significado. Baseado nisso cada um de nós decide ser quer ser “cliente” da IA ou não, se vai se expressar de maneira positiva, ou não.
Nesse texto eu quis trazer dois desafios para uma aceitação maior da IA:
A falta de confiança nas empresas que estão à frente do desenvolvimento das IAs, faz com que haja desconfiança também na tecnologia.
A falta de conhecimento de como a Inteligência Artificial funciona, e como os dados são coletados, gera insegurança das pessoas.
Se olharmos bem, esses são desafios comuns de marcas: aumentar a confiança na empresa, diminuir o risco percebido de se usar o produto.
Quando falamos de marcas (e tecnologias), quanto menor a incerteza sobre os riscos, maior a chance das pessoas aceitarem e quererem “fazer negócio” com elas, mesmo que o benefício percebido seja menor.
Esse conceito ficou famoso como o “Paradoxo de Ellsberg”, da teoria da decisão: nós preferimos fazer uma escolha de ganho baixo, mas risco conhecido, a uma escolha de ganho alto, mas risco desconhecido.
No branding, essa é uma lição importante:
As pessoas irão preferir um produto que oferece menos risco e menos benefícios do que uma que ofereça muitos benefícios mas um risco alto ou desconhecido. E um dos principais fatores de avaliação de risco pelo público é a marca
Exemplificando: hoje os carros chineses elétricos possuem muito mais recursos que as marcas tradicionais na mesma faixa de preço. Na ponta do lápis não faz sentido comprar um Fiat Fastback à combustão ao invés de um BYD Dolphin elétrico.
Mas a BYD é uma marca que ainda precisa se provar no país, e há muita insegurança em relação aos carros elétricos, principalmente a autonomia. Por causa disso, o carro da Fiat ainda vende muito mais.
Sabemos que as Big Techs irão enfiar IA goela abaixo dos usuários de uma maneira ou de outra, mas se esses problemas de “branding” não forem resolvidos, essa será uma tarefa bem mais difícil.
A Apple mandou muito bem ao lançar o “Apple Intelligence” e dedicou mais de 4 minutos do keynote para falar de privacidade, além criar novas expressões/tecnologias como “Private Cloud Compute”, etc. Já foi muito melhor do que o fiasco do “Recall” da Microsoft, duramente criticado (e provavelmente cancelado)
Pessoalmente, acredito que seja importante haver críticas, investigações e questionamentos sobre o tema. Dessa maneira as empresas se veem forçadas a serem mais transparentes e éticas.
Ou, pelo menos, assim espero.
[Extra] umas palavras de Roger Federer
Federer, em seu discurso para os graduandos do Dartmouth College, chamou minha atenção:
”No tênis, perfeição é impossivel. Nas 1526 partidas que joguei na minha carreira, ganhei quase 80%. Mas eu tenho uma pergunta para vocês… qual vocês acham que foi a porcentagem de PONTOS que eu ganhei nessas partidas?
Somente 54%
Em outras palavras, mesmo os melhores jogadores do mundo ganham pouco mais da metade dos pontos que jogam.
Quando você perde quase metade dos pontos que joga, em média, você aprende a não ficar preso a cada ponto
[…]
E porque estou dizendo isso.
Quando você está jogando um ponto, é a coisa mais importante do mundo.
Mas quando ele acaba, ele acaba. Esse mindset é crucial, pois te libera para se dedicar por inteiro ao próximo ponto, e o próximo, com intensidade, clareza e foco.
A verdade é que, independente do jogo que você joga na vida, às vezes você vai perder”
Até a próxima!
Esse extra foi crucial, estou aprendendo isso depois de começar a criar conteúdo.
Tudo que vem quela abaixo é regurgitado. A IA precisa de ser melhor compreendida por todos. Uma marca conta uma história e todos sabem que produtos e serviços estão associados a ela. Mas a IA nem nosso digníssimo presidente sabe o que é. Ele disse que o país tem muita gente inteligente e que não precisamos de inteligência artificial...Imagina o público em geral! E a questão da perda de empregos é um medo real de uma realidade.
Belo artigo!