Peça-Chave #52: A batalha dos criativos vs a IA
Quando algo deixa de ser plágio e se torna original?
Eu tentei, juro, não fazer duas newsletter seguidas sobre IA. Já tem muita gente cobrindo o assunto, o hype veio forte demais. Ao mesmo tempo, ao contrário de outros hypes, a conversa ao redor do IA é muito interessante, pois vai além de tecnologia.
A discussão hoje é sobre o impacto em áreas como arte, direitos autorais, acesso a dados, mercado de trabalho, humanidade e muito mais. Ou seja, mesmo que a tecnologia não mude a humanidade (para o bem ou para o mal) como algumas pessoas pregam, o debate já está, por si só, alterando como vemos o mundo.
Mas, dessa vez, farei uma Peça-Chave diferente, sem textão, só alguns eventos e acontecimentos recentes, comentados. A ideia é provocar reflexão.
Espero que goste!
A única fonte de bebidas quentes em toda a nave era uma máquina ignorante produzida pela Companhia Cibernética de Sírius. Chamava-se Sintetizadora Nutrimática de bebidas […] Dizia-se capaz de produzir a mais ampla variedade de bebidas, adaptadas individualmente ao paladar e ao metabolismo de quem quer que se aventurasse a utilizar-se dela. Quando posta para funcionar, no entanto, invariavelmente produzia uma xícara de plástico cheia de um líquido quase, mas não totalmente, inteiramente diferente do chá.
Douglas Adams - O Restaurante no Fim do Universo
As discussões sobre IA me lembram muito essa máquina.
Vídeos comerciais criados por IA já são realidade…
A Toys”R”us lançou, em Cannes, a primeira propaganda de uma marca grande, com o vídeo feito todo por IA. Você pode assistir aqui e tirar suas conclusões.
Eu achei beeem estranho (100% Uncanny Valley), ruim, mas tecnicamente impressionante.
O vídeo está sendo duramente criticado, mas lembre-se: ele foi feito com a tecnologia de hoje, a pior que existe daqui pra frente. Imagine daqui a 5 anos.
… mas o debate sobre direito autoral continua quente.
Por falar em vídeos, uma empresa de vídeos por IA chamada Luma, postou esse vídeo de um “acampamento para monstros”. Ele é bem pior que o da Toys”R”Us e, claro é impossível não achar que ele foi inspirados em Monstros S.A. da Pixar.
Mas aqui aconteceu algo curioso, que acendeu o debate sobre IA “copiar” estilos de outros artistas. Você reparou em algo estranho na marca dos 56 segundos do filme (além de nenhum texto fazer sentido)? Veja o print abaixo:
Quem é esse no canto inferior esquerdo? Ora, se não é Mike Wazowski, propriedade intelectual da Pixar.
O que aconteceu aqui? O prompt foi “criar um vídeo no estilo Pixar”? Ou essa IA foi treinada nos materiais da empresa? Não se sabe, mas claramente não é coincidência.
Ou seja, até que ponto você pedir para “crie uma animação no estilo Pixar”, para uma IA treinada nos filmes deles, é um uso legítimo?
Os pequenos artistas já estão se rebelando…
Você já ouviu falar do aplicativo Cara? É uma rede social para ilustradores, que possui simples pitch: aqui suas ilustrações nunca serão usadas para treinar nenhuma IA.
Artistas estão tão cansados e preocupados com seu trabalho sendo “roubado” pela Meta e Google, que o app virou um mega sucesso.
Em um post no Instagram (vale a leitura), a fundadora e CEO, Jingna Zhang, mostra o quanto é “desumanizante” ver que mais de 20 mil prompts do Midjourney contém seu nome. Ou seja, estão se “inspirando” em seu estilo.
Se você fosse artista, gostaria que isso acontecesse com você? Eu ficaria igualmente puto.
… mas agora virou briga de cachorro grande.
Uma das entidades mais nefastas dos EUA é a RIAA (Recording Industry Association of America). Eles são responsáveis por representar as gravadoras em casos de copyright e, em 99% das vezes, eu torço contra eles.
Mas agora, pela primeira vez na história, eu acho que eles podem estar do lado certo da história.
Eles tem dinheiro infinito, e essa semana eles entraram com um processo contra duas empresas que geram música por IA: Udio e Suno. Sem entrar em muitos detalhes legais, basicamente eles dizem ter milhares de exemplos que mostram como as músicas criadas por IA são quase cópias de obras protegidas por direitos autorais, com algumas diferenças só.
Será um julgamento capaz de definir o futuro das IAs. Por um lado, as startups e empresas da área dizem que é tudo uso legítimo, já que o conteúdo gerado é essencialmente original (exceto o Mike Wazowski), por outro, sem os conteúdos originais, não haveria nada feito por IA. E muita coisa criada por IA parece bastante com a fonte.
É uma discussão complexa, afinal, toda arte é derivada de alguma arte anterior, seja feita por humanos, seja feita por IA. Onde traçamos a linha do que é legal ou não?
Como dizem por aí: “criatividade é saber esconder suas fontes”
Uma última provocação, da CTO da OpenAI
Mira Murati, CTO da OpenAI, irritou muita gente em uma entrevista recente, com a seguinte citação:
“Alguns trabalhos criativos podem desaparecer mas, talvez, ele nem precisassem existir em primeiro lugar”
Como você se sentiu? Geralmente, são duas reações comuns aqui:
Isso mostra a arrogância das empresas de tecnologia, que acham que podem agir sem limites e sem respeito pelo impacto na vida dos outros.
É normal o progresso acabar com algumas profissões, e qualquer tentativa de regulamentar o avanço tecnológico não traz benefícios.
Simplifiquei bastante, mas aí fica minha pergunta final: qual sua opinião?
Meu comentário não é sobre IA. É somente para dizer que o certificado do Jean-Claude Van Damme na página da PbyP foi muito engraçado! Peçanha (ou quem teve essa ideia) nos lembrando que o bom humor nunca fica ultrapassado. Até a IA um dia vai achar isso engraçado.
Rapaz, que newsletter incitadora de molotovs.
É engraçado quando trazem esse debate de "algumas profissões vão desaparecer" porque ele ignora o fator humano e cultural. Como se o artesanal só tivesse valor quando rótulo de cerveja ou chocolate e alguns saberes devessem se perder porque "máquinas fazem mais rápido e barato".
O lance é que usar IA para substituir profissões criativas vem sido feito aos montes no intuito de sucatear e desmerecer o trabalho de pessoas que dão suor e sangue. Transformar o escritor em CONSULTOR e TREINADOR DE IA, o designer em AJUSTADOR e tudo o mais. Isso é balela, e motivado quase que totalmente pelo lucro e com pouco pensamento nas consequências.
A IA tem seu lugar e é, provavelmente, inevitável, mas a máquina de xerox torta que não dá créditos não é esse.
Quem sabe no futuro um modelo no qual todas as artes usadas por IA são pagas pela empresa que as usa e essa grana vai pros criadores dos materiais de referência? (Bom tema pruma noveleta de ficção científica).